Traumatiza as crianças ou ensina-as a ser mais fortes? Como devem ser os castigos de uma era que se quer democrática? Fomos tentar orientar-nos entre os pais autoritários e os pais desleixados, e descobrimos que o caminho não é fácil. Por Catarina Fonseca.
É difícil falar de castigos numa altura em que os pais passam cada vez menos tempo com as crianças. No pouco tempo que passam querem tudo menos lágrimas e zangas. E a própria noção de castigo não é, nos nossos dias, muito clara.
Confundimos duas ideias completamente diferentes: punir uma pessoa e corrigir um comportamento. "Quando fazemos com que uma criança se sinta punida, acreditamos erradamente que estamos a corrigir o seu comportamento" , explica o neurologista inglês John Stein no site Internacional Child and Youth Care Network. " Mesmo que os castigos não tenham quaisquer resultados, persistimos em aplica-los, na certeza de que algum dia irão funcionar. Errado!" Segundo defende, os castigos tradicionais não são assim tão efectivos: " Quando deixar-mos de acreditar que as crianças têm de ser castigadas, podemos encontrar formas criativas de corrigir um comportamento", explica.
Castigue criativamente
Como é que isso se faz? O investigador explica: " Um comportamento errado é geralmente corrigido por consequências naturais. Não há necessidade de castigos extra. Uma segunda estratégia é impor consequências lógicas e racionais. Uma terceira via é impor castigos leves."
As consequências naturais são, bem, naturais... Mas há umas mais naturais que outras: se a criança insiste em meter o dedo na vela, naturalmente queima-se. Mas há consequências naturais de que as crianças não se apercebem: perder os amigos, perder a confiança dos pais, fazer com que os outros nos evitem. Aqui é preciso que os pais expliquem.
E claro que há situações onde as consequências naturais não se aplicam: não se vai deixar uma criança atravessar a auto-estrada para saber que se pode ser ( naturalmente...) atropelada, e um adolescente chega a casa tarde, a consequência de os pais ficarem preocupados também não o há-de ralar muito.
Aqui sugere John Stein, o castigo deve ser lógico: " Se ele chega tarde, deve ser ele a arrumar a cozinha, por exemplo."
Então e o que quer dizer ao certo aquilo do " castigo leve"? Se é leve, não é efectivo... John Seint discorda: " A ideia é castigá-las, mas evitar que se sintam demasiadamente castigadas." Ai. Ainda percebemos menos. " Quando as crianças sentem que " serviram uma pena", tendem a tornar-se ressentidas, zangadas e vingativas. O castigo afecta o modo como se vêem a si próprias: quanto menos tempo se acharem merecedoras de castigo, quanto mais depressa puderem voltar ao normal, melhor."
É verdade que às vezes, no calor do momento, não sabemos o que fazer. " Quando isso acontece, peço à criança que espere no quarto até que eu esteja suficientemente calmo para falar com ela", sugere John Stein. " Quando são mais velhas, peço que me descrevam por escrito o que se passou. Como ainda não lhes impus nada, elas têm tempo para pensar no que aconteceu. Muitas vezes o tempo em que estiveram sozinhas a pensar foi o suficiente para corrigir o seu comportamento."
Esse é um castigo bem conhecido pela psicóloga Susana Gonçalves, que já utilizou nas próprias filhas. "Para mim, o castigo está associado a uma situação pontual: tem que ser na hora e rápido, nada de arrastar castigos durante dias", defende. "Por exemplo: a cena típica de dois irmãos à estalada. É importante os pais intervirem. Primeiro, há que separar as crianças, depois, o agressor tem de pedir desculpa ao outro, depois digo:" Agora sentas-te aí e dizes-me como é que isto se pode resolver." Se colocar-mos a situação do lado deles, conseguem reflectir sobre o que aconteceu."
Nunca faça isto
Há castigos que não devem ser aplicados nunca, alerta Susana. Fechar as crianças num quarto escuro, por exemplo. Ou " agora de castigo vais estudar". Ou ler. Retirar a televisão e o telemóvel soam bem, mas depois na prática não funcionam, porque os próprios pais querem que as crianças estejam entretidas e contactáveis...
Outro castigo contraproducente é aquele que não tem nada a ver com a " ofença". Tipo: bateste no teu irmão, agora de castigo não vais ao futebol! Isto magoa a criança e não corrige qualquer tipo de comportamento. " Aliás, o castigo de retirar actividades, que é dos mais usados pelos pais, está quanto a mim fora de questão", diz Susana.
"Há pais de uma rigidez excessiva. Mas claro que tem de haver um meio-termo entre os pequenos tiranos e os completamente controlados: também vejo cada vez mais adultos a funcionarem como adolescentes." Psicóloga Susana Gonçalves
Perceba o que provocou a " ofença"
Numa situação " castigável", a primeira coisa a fazer é perceber o que é que provocou a ofença. E isso é o que mais está a falhar: " Os castigos falham porque a comunicação entre pais e filhos falha. E quando falo de comunicação entre pais e filhos, não me refiro apenas a filhos adolescentes. A comunicação deve começar na infância."
Ou seja, as regras familiares têm de ser discutidas, e depois cumpridas. E tem de se criar uma relação de confiança, para que depois não cheguem à adolescência com os pais a queixarem-se de que " o meu filho é muito rebelde".
"A firmeza dos adultos é imprescindível. Se na infancia não tiverem regras, não se pode esperar que aos 15 anos se lhes peça para chegarem à uma e eles cheguem. Se sempre houve comunicação, a adolescência é tranquila."
Muitas vezes, tudo se resolve com uma boa conversa. " Às vezes basta que as pessoas se expliquem", nota Susana. " Mas as pessoas reagem muito pela ordem, e não pela afectividade. Quando eu pergunto, a quanto tempo não abraça o seu filho, a quanto tempo não o beija, a quanto tempo não lhe diz que gosta dele, não sabem responder..."
O ideal para uma relação calma? Abertura, firmeza e calma. " Muitas crianças não obedecem ao primeiro pedido porque os pais ameaçam, ameaçam e nunca cumprem", nota Susana. "Tenho aqui pais que se queixam: " Eu chego a dizer as coisas mais de dez vezes!" Como é que as coisas chegam a dizer-se dez vezes? Claro que há falta de comunicação. Se agarrarmos na criança e olharmos para ela e dissermos " agora é para fazer isto", ela cumpre."
A psicóloga sugere um meio-termo entre os pais autoritários e os pais desleixados: as regras são mesmo para cumprir e não para avisar dez vezes. Mas também é importante não ser picuinhas e ter sentido de humor, principalmente com os adolescentes, que passam a vida a tentar tirar-nos do sério: experimente rir-se com eles.
Ceda, mas com controlo
Sugere ainda aumentar a autonomia dos filhos: " Nós tínhamos muito mais autonomia, íamos para a escola sozinhos, eles não têm margem de manobra nenhuma! Os pais estão à espera deles em todo o lado! É verdade que o mundo está diferente, mas também é verdade que nós os estudamos em vez de os ensinarmos a lidar com isso.E depois isso reflete-se na vida deles."
Mas o que é que isso tem a ver com os castigos? É que estamos a criar uma geração que depende dos pais para tudo: para sair, para entrar, para fazer os trabalhos. Os pais não andam em cima deles e eles não fazem os trabalhos, depois os pais castigam-nos porque não fizeram os trabalhos com um castigo que não tem nada a ver com não fazer os trabalhos, tipo não sair com os amigos, e aí está uma situação em que nada se resolve...
Aposte na prevenção antes do castigo
Conselho final: apostar numa relação aberta, saudável e firme: " Os pais têm de educar, não podem ter medo de perder o amor dos filhos." Ao mesmo tempo, ser descontraido e fundamental: " Há coisas que têm de correr mal para depois passarem a correr bem. Era assim que acontecia connosco. Hoje não há tempo para as coisas correrem mal. Há um nível de exigência enorme da parte dos pais, em que a falha não é admitida. E não há tempo para consequências naturais, tão importantes, mas de que os pais têm tanto medo."
Admite que é difícil hoje em dia ter mão firme e não ceder em certas coisas. "A ideia é ceder, mas com controlo: por exemplo, até podemos dar um jogo da Playstation, mas tem de haver regras para jogá-lo." Ou seja, aposte na regra antes do castigo, na prevenção antes do remédio, e se tiver de castigar, seja consistente e escolha algo que faça sentodo e resolva mesmo a situação, que é o que interessa. Lembre-se: o objectivo não é magoar, mas corrigir.
Ideias para manter a calma:
- Tenha expectativas sensatas.
- Há regras que não fazem sentido: exigir que um adolescente chegue a casa à meia-noite ou que uma criança de dois anos já consiga partilhar os brinquedos.
- Premeie o bom comportamento- reaja mais efusivamente ao bom do que ao mau.
- Tenha regras simples e básicas: olhe a criança nos olhos e explique o que quer. Cuidado para que as regras não tenham que ver com emoções. Não se pode ordenar a ninguém que goste de alguém, por exemplo, mas pode-se ensinar a ser delicada...
- Escolha as suas "guerras".
- Não se " passe" por uma coisa de nada: reserve o tom de voz mais forte para as verdadeiras emergências.
Ofensa :)
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